Enquadramento legal
O artigo 67º/1/c encontra-se previsto no CPTA dentro da secção da ação de condenação à prática de ato devido enquanto pressuposto para realização do pedido.
Mas o que é isto da condenação à prática de ato devido?
Segundo Mário Aroso de Almeida, “o CPTA confere aos tribunais administrativos o poder de procederem à determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos: mais precisamente à condenação à prática desses atos”.
Ou seja, o artigo 66º CPTA prevê uma situação onde a Administração é condenada à prática de atos administrativos, assim como a fixação de um prazo dentro do qual esses atos devem ser praticados.
É, segundo Vasco Pereira da Silva, “uma das principais manifestações de mudança de paradigma na lógica do Contencioso Administrativo que, ao passar da mera anulação, para a plena jurisdição deixa de estar limitado na sua tarefa de julgamento (...)”.
Esta forma de ação administrativa vem prevista no artigo 37º do mesmo código (37º/1/b) CPTA). Presume que a prática do ato administrativo em questão foi ilegalmente omitida, ou recusada.
Ainda segundo Vasco Pereira da Silva, esta plena jurisdição é o que permite reagir contra “comportamentos administrativos que, por ação ou omissão, lesam direitos dos particulares decorrentes da negação de atos legalmente devidos” – entenda-se a tal omissão ou recusa.
E é neste sentido, que surge o artigo 67º CPTA.
Sendo uma ação administrativa de condenação contra a própria administração, o artigo 67º vem prever três situações como forma de pressupostos para que a ação seja pedida.
É naturalmente necessário um requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir – não esgotando o universo de pedidos, confirmada através da presença do artigo 67º/4 CPTA.
Existem três situações diferentes que, após a apresentação do requerimento, constituem o órgão competente no dever de decidir:
i. 67º/1/a: não foi proferida decisão dentro do prazo legalmente estabelecido;
ii. 67º/1/b: foi praticado ato administrativo de indeferimento ou recusa da apreciação do requerimento;
iii. 67º/1/c: foi praticado ato administrativo de conteúdo positivo que que não satisfaz integralmente a pretensão do interessado.
E é nesta linha do 67º/1/c CPTA que surge o âmbito deste post.
A questionabilidade do artigo 67º/1/c CPTA
Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, anteriormente consideravam-se tacitamente indeferidas as pretensões presentes nos pressupostos deste artigo, a fim de permitir a sua impugnação contenciosa. Isto tornou-se desnecessário, pois agora é permitido ao particular solicitar imediatamente a condenação da Administração na prática do ato devido, obtendo satisfação direta da sua pretensão.
No entanto, considero o afastamento da impugnação nos casos previstos na alínea c) do artigo 67º/1 CPTA questionável
A principal questão é relativamente à letra do artigo 66º CPTA. Este artigo define como o objeto da condenação à prática de um ato devido a situação de existir um ato administrativo ilegalmente omitido ou recusado. São precisamente estas hipóteses que aparecem previstas enquanto pressupostos no artigo 67º/1/a) – omissão – e 67º/1/b) – recusa ou indeferimento.
A meu ver, a não satisfação integral da pretensão do interessado no ato administrativo praticado de conteúdo positivo foge um pouco ao âmbito do artigo 66º CPTA.
Mário Aroso de Almeida pronuncia-se sobre este ponto. Segundo este autor, esta alínea dá ao interessado a possibilidade de deduzir um pedido autónomo de condenação à prática de um ato, revogando o ato anterior. Deste modo, evita a impugnação do mesmo sem pedir a sua anulação ou declaração de nulidade. Ou seja, tem em conta a parte desfavorável e a partir desta pratica novo ato.
E é precisamente aqui que questiono o âmbito desta alínea.
Com o devido respeito, considero que permanece uma situação de impugnação.
Posso referir, novamente, a letra do artigo 67º/1 mediante uma interpretação literal. Este artigo abarca situações de omissão e recusa, não previstas, nem uma nem outra, no 67º/1/c CPTA.
Segundo o artigo 50º/1 CPTA, a impugnação de um ato administrativo tem por objeto a anulação ou a declaração de nulidade desse ato. A meu ver, não deixa de ser esta a temática que deveria ser aplicável à situação em estudo.
Tendo a Administração praticado o ato positivo (mesmo que de forma parcial) não deixou de haver ação. Não houve nulidade ou anulabilidade.
Nesta linha de pensamento, penso que faça sentido impugnar essa decisão de forma a obter a anulação ou nulidade do pedido mesmo que só parcialmente.
Penso que não seja descabida esta opção, já que o artigo 51º/1 CPTA considera como impugnáveis todas as decisões que no exercício de poderes jurídico-administrativos visem produzir efeitos externos numa situação individual e concreta.
Contudo, percebo a integração deste ponto no âmbito da condenação à prática de um ato devido, por haver uma “recondenação”.
Esta opção deveria fazer parte desta forma de ação, não enquanto pressuposto, mas sim como uma consequência.
Isto é, a solução poderia passar por aditar uma norma à secção da condenação.
Ou seja, tendo o autor da ação legitimidade ao abrigo do artigo 68º CPTA, este poderia, caso o ato positivo não satisfizesse integralmente as suas pretensões, interpor uma ação de impugnação dita “subsidiária” de forma a complementar o artigo 67º CPTA.
Tendo em consideração o acréscimo de custas, e a demora processual, esta ação deveria ser considerada como proposta no sentido mais favorável (indo ao encontro do princípio da economia processual).
Nesta solução fictícia, seria necessário que a insatisfação do interessado fosse fundamentada e justificada. Deste modo, iria prosseguir um processo de anulação ou de nulidade da ação “incompleta” da Administração, sendo esta condenada (aqui sim) a proferir nova decisão. Seria ainda necessário ter em conta os meios menos custosos ao interessado de forma que a pretensão fosse satisfeita na totalidade.
Segundo o artigo 70º/3 CPTA, se na pendência do processo for proferido ato administrativo que não satisfaça integralmente a pretensão do interessado, o autor pode promover a alteração do objeto do processo para o efeito de pedir anulação parcial do novo ato.
E é no caminho deste artigo que se pode permitir uma anulação da decisão proferida, onde considero que uma impugnação subsidiária faria sentido enquanto consequência da hipótese da de prática de ato devido parcialmente satisfeita.
Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 4ª edição, Edições Almedina, 2020
- SILVA, Vasco Pereira de, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: ensaio sobre as ações no novo processo administrativo, 2ª edição, Edições Almedina, 2013
- Código De Processo nos Tribunais Administrativos, 2015
Maria Francisca Matias, nº58242, Subturma 7, Turma 4A
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