Avançar para o conteúdo principal


No contencioso administrativo denominamos ação administrativa a forma de processo declarativo comum, esta, encontra-se presente nos artigos 37º e seguintes do CPTA. Esta forma de ação é, como o próprio nome indica, a que deverá ser aplicada à maioria das situações. Esta é a regra geral, contudo existem situações que carecem de uma maior celeridade na tutela, o que levou à criação de processos urgentes (Título III do CPTA). Devido a esta urgência em obter a decisão do mérito da causa, no nosso sistema instituíram-se cinco formas de processo especial (a tramitação é simplificada ou acelerada em razão da urgência) ao processo urgente é aplicável o regime dos artigos 36º nºs 2 e 3, e artigo 147º do CPTA.

No acórdão 016/19.3BALSB do STA de 26-02-2019 o processo urgente que é abordado é a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias presente no art.109º e seguintes do CPTA. O que são processos de intimação? De acordo com o Professor MARIO AROSO DE ALMEIDA, são processos urgentes que se caracterizam por se dirigirem à emissão de uma imposição, pretendendo-se, com esta expressão, qualificar uma pronúncia de condenação que, com caráter de urgência, é proferida no âmbito de um processo de cognição sumária. No CPTA temos previsto duas formas de processo de intimação (artigos 104º a 111º) mas também é possível proceder à criação de outras através lei especial.

Relativamente à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias importa tecer algumas considerações. Do art.109º ao 111º temos a caracterização do seu objeto. Por sua vez, em relação à tramitação temos o art.110º. De acordo com o seu nº1, “Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo a petição inicial admitida, é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias”. Ora, o Professor MARIO AROSO DE ALMEIDA diz que do ponto de vista da tramitação a seguir podemos dizer que há quatro possibilidades distintas, nomeadamente: o modelo normal (art.110º/1); o modelo mais lento do que o normal (art.110º/2) em que o modelo é o da ação administrativa (artigos 78º e seguintes) mas com os prazos reduzidos a metade; o modelo mais rápido do que o normal (artigo 110º/3 a) onde há especial urgência; modelo ultra-rápido para situações de urgência excecional (art.110º/3 b) c)).

Após este pequeno enquadramento irei abordar alguns tópicos do referido Acórdão do STA. No caso em apreço, o Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) intentou, ao abrigo do artigo 109º e seguintes do CPTA uma intimação para proteção dos direitos liberdades e garantias, os demandados foram o Conselho de Ministros e o Ministério da Saúde. Quanto ao objeto a intimação incidiu sobre dois atos administrativos. O Direito que se pretendia proteger era o direito à greve constitucionalmente consagrado no art.57º da CRP tendo sido feito um pedido principal e um pedido subsidiário. Ora, o STA aponta vários vícios da PI, designadamente a impropriedade do meio processual utilizado para a satisfação das pretensões impugnatórias. A jurisprudência administrativa assinala que “pretendendo o requerente a anulação do ato administrativo, o meio processual próprio é a ação administrativa de impugnação do ato administrativo (...) não é possível através da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias conceder a tutela jurisdicional”. É importante perceber o que refere o art.57º da CRP, aqui não temos um direito à greve sem limites, mas sim um direito à greve com limitações. É sempre necessário garantir os serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis (o que não ocorreu no acórdão em análise). Determinados hospitais ficaram sem serviços, pondo em causa direitos fundamentais da população. Ora, tendo em conta o preceito acabado de mencionar tal como refere o Acórdão o pedido de condenação do Governo/CM e do MS (...) não se mostra idóneo a fazer desaparecer a compressão ao exercício do direito à greve que já resultada da prévia imposição de serviços mínimos. Esta não foi a única razão para os Juízes da Secção de contencioso Administrativo terem julgado improcedente a presente intimação. Há ainda uma referência que a meu ver é fundamental. É muito importante conhecer também as regras materiais, o CPA estabelece que a revogação é por razões de mérito, conveniência e oportunidade e a anulação dos atos administrativos é com fundamento na sua ilegalidade (art.165º/1 e 2 CPA). Assim, este pedido de condenação à revogação de atos com fundamento na sua ilegalidade não constitui sequer um efeito juridicamente admissível.

Com a leitura deste acórdão ficam assentes algumas especificidades desta intimação para proteção de direitos liberdades e garantias. Esta figura requer uma efetiva necessidade de a administração adotar uma conduta positiva ou negativa, que se revele indispensável para assegurar o direito em tempo útil (também não pode ser possível ou suficiente, no caso, o decretamento da providencia cautelar artigo109º/1 CPTA). No caso concreto esta questão até chegou a ser resolvida de outro modo pois a compressão do direito à greve resultava já da prévia imposição dos serviços mínimos.

A meu ver a decisão do STA foi acertada, é importante mostrar que os processos criados pela legislação têm finalidades específicas que precisam de ser respeitadas não se devendo admitir a recondução de um caso a um processo incorreto.

Ana Vitória Abreu, n.º 58438

Bibliografia

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c924d252a85e23d8802583ae0038a79f?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,016%2F19.3BALSB

 

ALMEIDA, Maria Aroso. Manual de Processo Administrativo. 4ª edição, Almedina, 2020.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Valor da causa administrativa e uma interpretação restritiva do Art.34º/1 CPTA

  O valor das causas administrativas e a sua determinação vem previsto nos artigos 31º a 34º CPTA.     Nos termos do art.31º/1 “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.   O valor da causa é relevante para saber se cabe recurso da sentença proferida em 1ª instância e qual o tipo de recurso como podemos retirar do art.31º/2 CPTA.   Retiramos ainda do art.31º/4 CPTA que no que toca aos poderes das partes e à intervenção do juiz na fixação do valor da causa é aplicável a lei processual, ou seja, os artigos 296º a 310º CPC.   Destas normas retiramos que a fixação do valor da causa visa prosseguir finalidades de ordem pública relacionadas com a organização e funcionamento dos tribunais.   O ponto que nos releva aqui analisar vem contido no artigo 34º CPTA e no seu critério de determinação supletivo: nos casos que encaixem no seu nº1 é atribuído ao valor da causa o ...

Âmbito de Jurisdição: Artigo 4º/Nº1 alínea f) do ETAF

1.      Introdução Esta exposição   tem como tema o Âmbito da Jurisdição Administrativa, nomeadamente a análise ao artigo 4º/Nº1 alínea f) do ETAF. Desta forma, é relevante fazer uma breve referência introdutória, mencionado que na Ordem Jurídica Portuguesa, existem dois tipos de tribunais: os tribunais judiciais e os tribunais administrativos e fiscais, conforme consta da nossa lei fundamental, art. 209º da CRP.   Durante muito tempo, os tribunais Judiciais predominavam os litígios, sendo que os tribunais administrativos tinham escassos processos para decidir. Contudo, após a reforma de 2002/2004 ocorreu um aumento de atribuição de matérias à jurisdição administrativa, pelo que o cenário se veio alterar.    Desta forma, surge a preponderante questão acerca do tema em análise: quando é que uma ação deve ser proposta nos tribunais Administrativos e não perante um tribunal Judicial?        2.      Os Tribunais...

Processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias : análise de acordão

Neste trabalho será feita uma análise de um acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, correspondente ao processo 01102/04.OBEBRG, onde é discutido a ação administrativa em causa, nomeadamente, a intimação urgente para proteção de direitos, liberdades e garantias, e as formas de processo.                 Antes de mais, o processo de intimação está regulado nos artigos 104º a 111º do Código de Procedimento nos Tribunais Administrativos (CPTA), e divide-se em intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, art.º 104º a 108º do CPTA, e a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, art.º 109º a 11º do CPTA. Este último processo de intimação surgiu com a reforma do contencioso administrativo em 2002, devido à uma necessidade de regulação desta matéria e à exigência constitucional de prossecução do princípio da tutela jurisdicional, estabelecida no ar...