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Despacho pré-saneador e utilização abusiva das facilidades de correção. A eficiência processual.

 

Despacho pré-saneador e utilização abusiva das facilidades de correção. A eficiência processual.

A revisão de 2015, como já sabemos, além de abandonar a distinção que existia entre ação administrativa comum e ação administrativa especial, moldou a nova ação administrativa de forma a aproximá-la do processo civil, mas mantendo as necessárias e relevantes adaptações exigidas pela especificidade dos litígios que integram a justiça administrativa.

Uma das inovações introduzidas, relevante para a marcha do processo, é o dever de gestão processual do juiz consagrado no art. 7º-A CPTA. É ao juiz que sabe dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, seja promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação e recusando o que foi impertinente ou meramente dilatório, seja adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

A instância constitui-se e o processo começa com a petição inicial, que necessita de ser articulada. No termo dos articulados, o processo é concluso ao juiz (art. 87º CPTA) e este analisará o seu conteúdo. No contexto deste art. 87º prevê-se a possibilidade de ser necessário proferir despacho pré-saneador a fim de providenciar pelo suprimento das exceções dilatórias ou pelo aperfeiçoamento dos articulados ou ainda determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador. No despacho de aperfeiçoamento que se destina a convidar as partes a corrigir irregularidades dos articulados, o juiz fixa prazo para suprimento ou correção do vício por faltarem requisitos legais ou não ter sido apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (art. 87º/2 CPTA). Se o autor não proceder ao suprimento ou correção dentro do prazo fixado, isso irá levar a uma absolvição da instância (art. 87º/7 CPTA). No caso de o juiz determinar a absolvição da instância sem ter previamente emitido despacho de aperfeiçoamento, o nº8 do art. 87º dá a possibilidade de o autor apresentar nova petição na qual se observe as prescrições em falta e esta segunda petição é considerada apresentada na data em que o tinha sido a primeira petição.

A lei, reformada em 2002, apresenta agora uma preocupação fundamental de evitar que os processos terminem por decisões de forma, certificando-se que é proferida decisão de mérito sempre que houver possibilidade de correção de vícios ou de reformulação dos articulados que é o que resulta do despacho de aperfeiçoamento ou pré-saneador, como já foi referido, e do regime da recusa da petição e da absolvição da instância. O fundamento desta preocupação assenta no imperativo da realização da tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos (art. 1º/2 CPTA), mas a questão relevante aqui é se não se terá ido longe demais permitindo a utilização abusiva das facilidades de correção como expedientes dilatórios e que podem pôr em causa a celeridade e a eficiência processual. Ou seja, sim houve aqui uma evolução no processo administrativo através desta possibilidade de “renovação” da instância no sentido de combater o número exagerado de decisões de mera forma o que leva a um favorecimento da justiça material efetiva, mas não será isto de algum modo exagerado? O Professor VIEIRA DE ANDRADE defende que deveriam excecionar-se os casos em que as deficiências que se apresentem nos articulados sejam representativas de erros grosseiros. Esta seria uma solução para afastar a utilização abusiva deste regime como expediente dilatório.

O art. 88º CPTA refere-se ao despacho saneador e determina que este é proferido quando haja que conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais. Assim, profere-se despacho saneador quando cabe tomar decisão de forma ou mérito destinada a formar caso julgado formal em relação às questões prévias suscitadas ou caso julgado material relativamente ao mérito da causa (art. 88º/4 CPTA). Nos termos deste ar. 88º, o juiz irá proferir despacho saneador em 2 situações, sendo uma delas aquela em que tenha que se conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais, sendo que em processo administrativo, e aqui diferente do processo civil, o despacho saneador é o único momento do processo em que este tipo de questões pode ser apreciado (art. 88º/2 CPTA) dado que o objetivo, e sendo este um caso julgado formal, é evitar a reposição em momentos sucessivos de questões formais e ainda um excesso de decisões de absolvição da instância.

Quando através deste despacho saneador ocorre absolvição da instância, que é, como sabemos, uma exceção dilatória (art. 89º/1/2 CPTA), significa que tal não obsta a que permita a proposição de outra ação sobre o mesmo objeto (art. 279º/1 CPC e art. 1º CPTA). Esta situação poderá levar-nos a pensar se realmente é exagerado a possibilidade que é dada ao juiz de proferir despacho de aperfeiçoamento e poderá até levar-nos a concluir que não será um exagero pelo simples facto de que, havendo esta possibilidade de, e na circunstância de o réu ser absolvido da instância, poder ser proposta outra ação e, portanto, neste quadro, restringindo este tal aperfeiçoamento, provavelmente após a absolvição da instância o autor iria propor ação novamente e desta vez corrigindo o que constava dos articulados, o que poderá contender com um possível princípio da economia processual que pretende reduzir o número de processos, procurando obter o máximo resultado da atividade processual desenvolvida e bem assim um princípio da eficiência.

Uma outra situação que poderia também contender com este tipo de questão de propor outra ação com o mesmo objeto é o não arrolamento de testemunhas na petição inicial. Se o autor pretender deve apresentar no final da petição o rol de testemunhas. Ora o art. 89º-A/5 CPTA dá a possibilidade de o autor poder acrescentar o rol de testemunhas apresentado na petição inicial, o que poderia ser feito na fase da instrução, até 20 dias antes da audiência final ou na própria audiência prévia (art. 87º-A/6 CPTA). Mas e se não fosse arrolada nenhuma testemunha na petição inicial, mas posteriormente o autor quisesse fazê-lo? Ora qui está uma questão discutida na doutrina. Uma das possíveis soluções seria o autor desistir da instância, propunha nova ação e corrigia o vício da petição e aí arrolava as testemunhas, tendo em conta que há esta possibilidade de o autor pode desistir da instância livremente, desde que esta desistência seja requerida antes de oferecimento da contestação (art. 286/1 CPC e art. 1º CPTA). No entanto, poderia ser pensado aqui que, mais uma vez, tal poderia contender com a economia processual, porque o autor desiste da instância e volta a propor nova ação. Portanto, uma boa solução, na dúvida, será melhor arrolar sempre uma testemunha na petição e ficando o autor sempre acautelado numa situação destas evitando contender com a eficiência do processo

 

 Maria Luísa Cró, nº58434.

 


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