“Pertence à jurisdição administrativa e fiscal a competência para dirimir os litígios nos quais devam ser conjuntamente demandadas entidades públicas e particulares entre si ligados por vínculos jurídicos de solidariedade, designadamente por terem concorrido em conjunto para a produção dos mesmos danos ou por terem celebrado entre si um contrato de seguro de responsabilidade.”
O artigo 4º/2 ETAF exige a sua conjugação com o artigo 10º/9 do CPTA, cujo conteúdo é o seguinte:
“Podem ser demandados particulares ou concessionários, no âmbito de relações jurídico-administrativas que os envolvam com entidades públicas ou com outros particulares”.
Assim, e de acordo com o Acórdão do Tribunal de Conflitos, no P. 051/18, datado a 19 de junho de 2019, exige-se que, na petição inicial, sejam incluídos factos que comprovem essa vinculação. Estes factos irão, então, justificar a responsabilização da entidade pública que foi demandada juntamente com o ente privado e particular. Tal como afirmado pelo senhor professor Mário Aroso de Almeida, é necessário que se verifique uma relação jurídica administrativa entre o autor e o réu de cariz público. Isto é totalmente pertinente, uma vez que se a relação jurídico-administrativa entre um autor e um réu de cariz público não se verificar, então não faria sentido recorrer aos tribunais administrativos. Bastaria, então, recorrer à jurisdição comum.
Há, então, que ponderar quais os motivos e fundamentos que estão por trás desta redação do artigo 4º/2 do ETAF. Ao analisarmos a redação do artigo, que foi exibida supra, percebemos desde logo a evidência da satisfação de uma série de princípios de caráter processual. Em primeiro lugar, esta redação satisfaz o princípio da economia processual. Caso não fosse permitido que os entes privados e particulares recorressem aos tribunais administrativos para a resolução de litígios recorrentes deste tipo de relação, teriam que ser interpostas duas ações: uma nos tribunais judiciais, em que se intentaria uma ação contra o réu que é um ente privado; e outra nos tribunais administrativos, em que se iniciaria uma ação contra o réu público, que tem uma relação em que existem vínculos de solidariedade para com o réu mencionado anteriormente. Assim, a título de exemplo: se uma pessoa singular quisesse intentar uma ação contra uma empresa de empreitada pelos danos provocados por uma obra realizada no âmbito de um contrato público, celebrado com um ente administrativo, esta teria que intentar a ação num tribunal judicial contra a empresa de empreitada, e no tribunal administrativo contra o ente público em causa. Se formos refletir na ótica dos recursos utilizados para resolver um único litígio, relacionado com uma única relação jurídico-administrativa, tal metodologia torna-se impensável e muito pouco razoável. Os nossos tribunais, quer os judiciais, quer os administrativos, já são conhecidos pela falta de celeridade na resolução dos litígios. Como tal, se fossem intentadas duas ações em ambas as jurisdições, tal levaria a uma sobrecarga desnecessária destes tribunais. Além disso, os recursos judiciais que se iriam “desperdiçar” também devem ser tidos em conta, já que seriam facilmente evitáveis. A par do que foi dito, esta redação também favorece o princípio da celeridade judicial. A segurança jurídica também é favorecida neste método de resolução de litígios: ao submeter estas questões unicamente aos tribunais administrativos, garante-se que não existem soluções contraditórias sobre o mesmo litígio. Afinal, o facto de a mesma questão ser resolvida no âmbito de jurisdições diferentes poderia dar azo a que as soluções fossem, também elas, divergentes. A resolução apenas em sede administrativa, possibilitada pelo acesso dos privados aos tribunais administrativos, permite contornar este problema.
Como tal, e tendo em vista a análise feita supra, podemos concluir que este artigo 4º/2 do ETAF vem trazer, para a esfera dos tribunais administrativos, a “apreciação de relações entre particulares privados, quando os demandados privados o devam ser conjuntamente com entidades públicas, devido a vínculos de solidariedade.”
Apesar de todos estes benefícios trazidos pelo artigo em análise, tal como salienta a professora Sandra Lopes Luís, a sua redação não é isenta de problemas, levantando algumas questões que necessitam de precisões.
- “entidades (…) particulares”: que entidades são estas? No entendimento da professora, estas entidades corresponderão a particulares comuns, que atuam no âmbito da sua esfera dita “normal”.
- “vínculos jurídicos de solidariedade”: qual é a necessidade de existência destes vínculos? Tal como mencionado supra, e também como é referido pela autora, é exigida a existência destes vínculos para os particulares explicitados no ponto anterior possam ser demandados nos tribunais administrativos.
Desta forma, podemos chegar a algumas conclusões em relação a este artigo com a sua atual redação. A primeira delas diz respeito ao facto de as vantagens trazidas por este serem notórias, ao nível da praticidade que se faz notar na ótica processual desta questão. Afinal, com o acesso à jurisdição administrativa para a resolução de questões deste teor, há uma série de princípios que passam a ser acautelados, tal como foi mencionado supra. Além disso, as questões que têm um caráter administrativo devido à relação de que provêm, serão analisadas por tribunais inteiramente vocacionados para este tipo de problemáticas, o que poderá garantir de forma mais eficaz a prossecução de uma sentença o mais justa possível. Apesar disto, tal como foi mencionado no final da análise, este artigo não está isento de correções, visto que importa uma série de conceitos indeterminados que merecem e, acima disso, necessitam de clarificação.
Bibliografia:
LUÍS, Sandra Lopes (2020). O artigo 4º, nº2 do ETAF: sentido e alcance. Em Comentários à Legislação Processual Administrativa. AAFDL.
ALMEIDA, Mário Aroso de (2020). Manual de Processo Administrativo. Almedina.
Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 19/06/2019, P. 051/18
Catarina Andrea Riça, ST7 4A, nº59173
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