A suspensão do prazo de impugnação contenciosa na ação administrativa urgente
O artigo 59º,
n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) encontra-se
previsto no seu título II, relativo à ação administrativa, prevendo que “A utilização
de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação
contenciosa do ato administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação
da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do
respetivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar”. Ainda
assim, poder-se-á suscitar a questão da sua aplicação no que concerne aos
processos principais urgentes, previstos no título IV do mesmo Código.
Esta
questão foi abordada pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no seu Acórdão
de 13 de março de 2007, relativo a contencioso pré-contratual. Mau grado o CPTA
ter sofrido severas alterações desde então, a linha apreciativa do Tribunal
continua a merecer atenção.
Note-se,
porém, que argumentos invocados pela requerente (e apreciados pelo STA) estão,
hoje, despidos de sentido, face à reforma do CPTA de 2015. Na sua redação
atual, o artigo 101º, relativo aos prazos em matéria de contencioso pré-contratual,
remete diretamente para o disposto no artigo 59º. A questão relativa ao
contencioso eleitoral é, portanto, um pouco diferente daquela que foi levantada
pela recorrente e, inclusive, em relação àquela que se coloca a propósito dos restantes
meios de ação administrativa urgente, que não preveem expressamente uma
remissão para o artigo 59º. De qualquer
modo, e como, antes da reforma de 2015, ainda era possível sustentar (e com
procedência, por sinal) a remissão para o disposto no artigo 59º/4, a
apreciação efetuada pelo Tribunal continua a ser relevante – justamente, para
saber se a natureza urgente da ação se pode apresentar como um obstáculo à
suspensão prevista pelo preceito (a despeito da existência de remissão legal).
No tocante a este ponto, o STA
argumentou que a impugnação administrativa e a impugnação contenciosa seriam perfeitamente
harmonizáveis, dando grande relevo ao direito do particular à impugnação e à
autotutela administrativa. Defendeu, por fim, que os princípios da celeridade e
da eficácia não seriam comprometidos pela suspensão do prazo, - no sentido em
que a teleologia da lei não seria afetada -, uma vez o cômputo dos prazos de
apresentação da impugnação administrativa e da decisão pela Administração – inclusivamente
um eventual indeferimento tácito – seria bastante curto. Quanto a este último
ponto, o Tribunal alicerçou-se no disposto pelo DL nº 197/99 de 8 junho, que
previa, no concernente à impugnação administrativa, um prazo (um pouco) maior
do que o atualmente previsto pelo artigo 274º do Código dos Contratos Públicos (CCP)
– tal significa que o argumento de que a celeridade não se encontraria comprometida
é, atualmente, de maior procedência.
Em relação
ao contencioso pré-contratual, o juízo supra parece ter sido aquele que motivou
o legislador, que consagrou uma remissão expressa para o artigo 59º, abrangendo,
naturalmente, o seu n.º 4. Apesar de o contencioso pré-contratual conhecer
diversos interesses em jogo, diga-se conflituantes, o seu pendor urgente não
será prejudicado pela suspensão do prazo. Concretizado a exposição de há pouco,
o prazo de impugnação administrativa pelo interessado será de cinco dias úteis
a contar da notificação (art. 270º CCP) e a impugnação deve ser decidido em
cinco dias, correspondendo o silêncio da Administração ao indeferimento tácito
(art. 274º CCP). Ora, a suspensão do prazo previsto pelo artigo 101º, com base
no artigo 59º/4, dificilmente comprometerá a celeridade da ação (e os respetivos
interesses que a mesma visa acautelar), uma vez que o prazo de impugnação administrativa
é muito curto - como, aliás, e já o dissemos, o STA defendeu. Por isso, não
vemos quaisquer razões para admitir que a remissão efetuada pelo artigo 101º
para o artigo 59º seja parcialmente inoperante (em relação ao seu n.º 4).
De facto, é indiscutível que os
processos principais urgentes se caracterizam pela ideia de celeridade, no
sentido em que as situações que têm por objeto carecem de uma resolução
definitiva num curto espaço de tempo. Porém, essa ideia de celeridade (ou prioridade)
é concretizada, em primeiro lugar, por uma tramitação simplificada que tenha em
consideração a natureza dos interesses em causa (e não, própria e
primacialmente, pela redução do prazo de propositura da ação), pelo que, a mera
suspensão do prazo de impugnação não prejudica, de modo algum, essa ideia
(quase programática, diríamos).
Resta, então,
saber se a remissão efetuada pelo artigo 97º/1 também irá abranger o disposto
no artigo 59º/4 (em relação aos restantes meios processuais principais
urgentes). A jurisprudência tem vindo a admitir essa hipótese, e tendemos a
concordar. Assim, o regime previsto pelo artigo 59º, aplicável ex vi artigo
97º/1, é especial face ao disposto nos artigos 98º/2, relativo ao contencioso
eleitoral, e 99º/2, relativo ao contencioso dos procedimentos de massa. A par
deste argumento formal, remetemos para as considerações supra: a ideia de celeridade
que subjaz ao processo urgente não é postergada pela suspensão do prazo de
propositura da ação.
Em suma, temos
a admitir que a suspensão do prazo de impugnação contenciosa do ato
administrativo prevista pelo artigo 59º/4 é aplicável aos processos urgentes, ex
vi artigo 97º/1 (e, de forma mais imediata, ex vi artigo 101º, no
tocante a o contencioso pré-contratual). Em primeiro lugar, trata-se de uma
regra especial. Em segundo lugar, não compromete as finalidades imanentes à
ação principal urgente.
Bibliografia e jurisprudência consultadas:
- AROSO DE ALMEIDA, MÁRIO, Manual de Processo Administrativo, 4ª Edição, Coimbra, 2020
- VIEIRA DE ANDRADE, JOSÉ CARLOS, A Justiça Administrativa, 17ª Edição, Coimbra, 2019
- Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, 4/10/2018, Proc. n.º 2186/17
- Ac. Supremo Tribunal Administrativo, 13/03/2007, Proc. n.º 01009/06
Diogo C.
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