O
art. 128º não constitui uma novidade no CPTA. De facto, o mesmo já existia na
versão primária do Código, tendo no entanto sido sujeito a mudanças
significativas em 2015. Em 2019, o legislador voltou a mexer no art., desta vez
de forma mais superficial. O preceito em causa tem sido criticado por muitas
vozes na Doutrina, fazendo da proibição de executar o ato administrativo um
“ente menos querido” entre as disposições do CPTA. Porém este tem resistido, não só no Código,
mas também na vida prática, com imensa jurisprudência a debruçar-se sobre o
mesmo.
O
nosso comentário visa não só salientar alguns dos problemas deste preceito,
como também aferir se a sua utilidade se sobrepõe aos problemas que
identificámos no primeiro momento. Vejamos:
Ao
nível da tutela dos contrainteressados, acusava-se o CPTA de 2011 de não
conceder esta tutela, pois só a autoridade administrativa podia emitir uma
resolução fundamentada. A alteração de 2015 foi genericamente saudada a este
nível, por prever os “beneficiários do ato”. Porém, esta referência não se
percebe. O legislador determinou que os beneficiários não podem prosseguir a
execução do ato, parecendo determinar que também eles podem emitir uma
resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, que reconheça que o
diferimento seria gravemente prejudicial… para o interesse público? Teríamos
aqui uma intromissão de particulares na esfera de atuação da Administração
Pública, ditando o que seria o Interesse Público? Como está claro, esta
interpretação não merece acolhimento.
No
fundo, o legislador continuou sem prever uma verdadeira forma de tutela dos
contrainteressados ou demais “beneficiários do ato”, cujo interesse dita a
manutenção da execução do ato. Por outro lado, permitir que os beneficiários do
ato emitissem uma resolução fundamentada que reconhecesse um grave prejuízo
para os seus próprios interesses (particulares), de forma extrajudicial, seria
não menos problemático. Se não, veja-se: um dos particulares na relação
jurídica multipolar poderia manter a execução do ato extrajudicialmente,
enquanto aquele outro particular que se considera prejudicado pelo ato (ou
pelas normas!) teria que, nos termos do art. 128º, nº4, impugnar os próprios
atos de execução indevida. Se esta desigualdade de posições já é patente quando
é a Administração a proceder à resolução, mais evidente se torna quando falamos
de dois particulares – cabe questionar onde fica o princípio processual da
igualdade de armas, nesta situação.
Assim,
se havia quem considerasse o modelo previsto no art. 128º[1] inconstitucional, por pôr
em causa o princípio da tutela jurisdicional efetiva do beneficiário do ato na
medida em que o seu interesse na execução não era considerado, hoje temos
duvidas que o preceito tenha um alcance muito distinto.
É
curioso notar que a proposta de alteração de 2015 para o art. 128º trouxe para
debate uma alteração radical ao regime. Previa-se que a suspensão de eficácia e
consequentemente a proibição de execução do ato apenas pudessem terminar (salvo
estado de necessidade) por decisão judicial, ao invés da resolução fundamentada
insindicável, pelo menos até impugnação dos atos de execução, pelo tribunal.
Esta
solução visava evitar que a Administração fizesse um uso abusivo da resolução
fundamentada, alegando sempre um Interesse Público qualquer para proceder à
execução dos atos. É a solução ainda hoje defendida por vários Autores, entre
os quais se destacam Mário Aroso de
Almeida.
Por
outro lado, não obteve acolhimento por se temer que fossem os particulares a
abusar da figura e que aumentasse muito o número de providências cautelares,
situação para a qual acautelou Tiago
Duarte.
Assim,
decidiu-se optar por privilegiar a posição da AP neste confronto. De facto,
parece que o legislador não consegue encontrar uma solução intermédia, “nem
tanto ao céu, nem tanto à terra”. Por isso, o interessado terá que, quanto
muito, esperar que a Administração pratique atos de execução para os poder
impugnar. Só na análise desta impugnação é que o Tribunal se debruçará sobre o
“interesse público” alegado previamente pela Administração, de forma a perceber
se ele tem ou não fundamento.
Note-se,
porém, que esta análise não deixa de suscitar alguma estranheza. Caberá ao juiz
atestar a verificação de um Interesse Público real na emissão da Resolução
Fundamentada? Como decorre do princípio da separação de poderes, pilar do
Estado de Direito Democrático, a resposta será negativa. Consequentemente, o tribunal só poderá
proceder uma análise nos termos do art. 153º CPA, verificado a fundamentação do
ato. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo
Norte, de 20-02-2015 “Note-se, ainda, que o controlo judicial da “validade”
da fundamentação da resolução fundamentada deve ser aferido pelo critério
estabelecido no artigo 153.º do CPA, não se bastando com a verificação da
existência de um discurso justificativo da decisão tomada, em termos claros e
congruentes, mas exigindo também que os motivos apontados sejam suficientes,
por conterem elementos bastantes, capazes ou aptos a basear a decisão, ou seja,
elementos suficientes para fundamentar a afirmação de que há “grave prejuízo
para o interesse público no diferimento da execução do ato”. Assim, a AP
terá que identificar o(s) interesse(s) público(s) em presença, formulando um
juízo de prognose sobre os prejuízos que o atraso na execução do ato traria
para tais interesses e a gravidade dos mesmos.
Nas
palavras de Tiago Duarte, “o
juiz administrativo encontra extrema dificuldade na apreciação dos fundamentos
da resolução administrativa sem extravasar as suas funções, isto é, sem usurpar
a função administrativa, realizando juízos próprios desta – juízos
político-administrativos -, com a consequente violação do princípio da
separação de poderes. Como tal, (…) muito dificilmente o juiz poderá realizar
uma apreciação que não meramente formal da mesma.”
A
jurisprudência tem-se mantido bastante alerta no que respeita à sindicância das
resoluções fundamentadas da Administração, ainda que após impugnação pelos
interessados. Tal só tem conseguido ser feito através de uma interpretação
muito ampla das poderes do juiz no que respeita ao escrutínio do dever de
fundamentação, presente no art. 153º CPA. Porém, é preciso reforçar que o
tribunal não poderá penetrar na função administrativa, sendo verdade que temos
assistido a situações de fronteira.
Por
outro lado, cumpre também indagar quais são as consequências de uma resolução
infundada, que assim venha a ser considerada pelo Tribunal. Nos termos do art.
128º, n.º 6, o juiz deve ouvir a entidade administrativa e os
contrainteressados no prazo de cinco dias, tomando de imediato a decisão. Como
refere Mário Aroso de Almeida,
também neste ponto o CPTA é insuficiente, uma vez que na maioria das situações
de execução indevida, o que interessaria seria reconhecer explicitamente ao
interessado a possibilidade de requerer ao juiz cautelar, como estava prevista
no anteprojeto, “a adoção das providências necessárias para impedir ou fazer
cessar a execução e, sendo possível, restabelecer provisoriamente a situação
anterior, podendo haver lugar à imposição de sanção pecuniária compulsória”.
Reconhece-se, porém, que a entidade requerida fique no dever de reconstituir,
tanto possível, a situação que deveria existir se a execução não tivesse tido
lugar. Assim, a Administração poderá ter que indemnizar os interessados pelos
prejuízos advindos da execução indevida.
Já
quando tentamos aferir a utilidade do preceito, surge o problema da sua
delimitação em face do art. 131º CPTA, que prevê o decretamento provisório de
providências cautelares. Enquanto o art. 128º opera automaticamente, sempre que
se procede a um pedido de suspensão de eficácia, o art. 131º atua em situações
de “especial urgência” e deve ser decretado pelo juiz. Porém, como aponta Mário Aroso de Almeida, ambos visam
evitar o periculum in mora do processo cautelar, prevenindo danos que
possam resultar da demora no processo. Além disso, a partir da revisão de 2015,
em que se procedeu à eliminação de referência a “direitos, liberdades e
garantias”, a dificuldade na distinção entre as figuras tornou-se algo aguda.
Segundo
este Autor, o art. 128º só opera com a citação, enquanto que, de acordo com a
tramitação dos processos cautelares, a admissão do requerimento cautelar e a
subsequente citação da entidade requerida depende, como dispõe do art. 116º,
nº1, de despacho liminar. Assim, a questão do decretamento provisório da
providência coloca-se em momento anterior àquele em que opera o art. 128º. O A. considera que a proibição de execução do
art. 128º só operará, desse modo, quando tenha sido ou não pedido o
decretamento provisório da suspensão, o juiz não o tenha concedido no despacho
liminar – só aí é que a entidade é citada, para efeitos do nº1.
Para Vieira
de Andrade os regimes seriam excludentes, devendo entender-se que a
aplicação do regime da proibição de execução é uma alternativa excludente –
deveria ter-se por vedado o decretamento provisório da suspensão de eficácia ao
abrigo do art. 131º do CPTA, porque isso impediria a administração de proferir
a resolução fundamentada a que se refere o art. 128º e que a habilita a
prosseguir com a execução do ato.
No Anteprojecto estabelecia-se que a
suspensão automática provisória da execução do ato administrativo não prejudicaria
a possibilidade do decretamento provisório da suspensão da eficácia, em
situações de especial urgência. Apesar deste texto não ter sido vertido na lei,
é essa a posição de Jorge Pação.
Já Dora
Lucas Neto chega a propor que o Art. 128º seja suprimido pelo
legislador.
Da
nossa parte, não deixamos de ter sérias dúvidas quanto à verdadeira utilidade
do art. 128º, para que valha a pena a manutenção de uma série de problemas,
alguns dos quais levantámos supra. Salvo melhor entendimento, o art. 131º já parece permitir uma
tutela adequada para grande parte das situações que dela carecem. Além disso, o
decretamento provisório da providência obsta à possibilidade da entidade
administrativa proceder à emissão de resolução fundamentada, desde que
preenchidos os critérios do n.º 1 do artigo 131.º. Ainda assim, abre a porta,
através do n.º 6, a um pedido do levantamento da providência, sendo certo que
esse será sempre escrutinado pelo juiz, ao contrário do que se ocorre com o
art. 128º - acautelando, assim, muitas das preocupações que subjazem ao
preceito. Assim, somos da opinião que não seria descabido, à luz de uma
ponderação das considerações precedentes, ponderar a própria supressão do
preceito, colocando a tónica no art. 131º, que até poderia ver os seus requisitos
aligeirados de modo a poder abarcar mais situações. De todo o modo, o art 131º sempre
permitirá uma maior tutela do princípio da igualdade de armas entre as partes
em litígio, colocando de volta o foco na função judicial– tal como sempre
deveria ser.
Bibliografia
Consultada:
Almeida, Mário Aroso de, “Manual de
Processo Administrativo”, 4ª. ed., Almedina, 2020.
Andrade, José Vieira de, “A Justiça
Administrativa”, 18ª. ed, Almedina, 2020.
Duarte, Tiago, “Providências
Cautelares, Suspensões Automáticas e Resoluções Fundamentadas: Pior a Emenda do
que o Soneto?”, Revista Julgar, N.º 26, 2015.
Fonseca, Rui Guerra da, “A suspensão
de eficácia dos actos administrativos no projeto de revisão do código de
processo nos tribunais administrativos”, disponível em www.e-publica.pt,
2014.
Neto, Dora Lucas, “Meios Cautelares”,
in Cadernos de Justiça Administrativa, N.º 76, 2009.
Pação, Jorge, “Breves notas sobre
os regimes especiais de tutelar cautelar no código de processo nos tribunais
administrativos revisto”, disponível em www.e-publica.pt
, 2016.
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