Desde cedo que se observa por parte do legislador e também dos governadores uma certa tendência para extravasar os seus poderes e usurpar os direitos dos cidadãos, sendo que esta realidade foi bem mais dura após as duas grande guerras. Desta feita, fala-se em direitos fundamentais numa tentativa de que de facto seja compreendido que existem direitos que não podem ser desconsiderados. Quanto a isto portugal pode, de algum modo, sentir-se um privilegiado que face a muitos outros países consegue de facto ir cumprindo, umas vezes melhor outras pior, com o preceituado no art. 18º CRP.
Falando-se de direitos fundamentais e de intimação para proteção de direitos liberdades e garantias torna-se necessária a análise do art. 109º/1 do CPTA. Esta intimação consagrada no artigo em análise permite ao particular obter uma proteção mais célere perante a Administração Pública, isto porque este processo é urgente e permite uma efetiva resolução do litígio e assim permite que se exija à Administração Pública uma conduta positiva ou negativa visando o exercício, em tempo útil, de um direito ou garantia do particular que de outro modo não poderia ser acautelado. No entanto este conceito tem vindo a ser debatido na doutrina sendo que alguns autores tendem a adotar uma concepção mais ampla. No entanto é já ponto assente que:
“Trata-se de um instrumento que se procurou desenhar com uma grande elasticidade, que o juiz deverá dosear em função da intensidade da urgência, e que tanto poderá seguir os termos da acção administrativa especial, com os prazos reduzidos a metade, como, em situações de especial urgência, poderá conduzir a uma tomada de decisão em 48 horas, mediante audição oral das partes.”.
in, Proposta de lei nº92/VIII aprova o código de processo nos tribunais administrativos (revoga o DL nº 267/85, de 16 de julho) - ponto 15
A desejada elasticidade na análise da urgência e da alegada violação de direitos, liberdades e garantias poderá conduzir a uma maior discricionariedade por parte do julgador. Ora, tratando-se de direitos fundamentais, esta aparente “leveza” no trato poderá ser bastante prejudicial para os particulares. Não se pretende aqui defender que não importa esta proteção de direitos liberdades e garantias, antes pelo contrário, apenas se critica que na proposta de lei do CPTA tenha surgido de uma forma tão despreocupada esta “elasticidade” que, a meu ver e salvo melhor opinião, aponta para os problemas referidos.
Esta ideia de uma necessidade de proteção dos direitos, liberdades e garantias não surgiu apenas com o CPTA, muito menos surgiu do nada, sendo que antes do surgimento do já referido artigo 109º CPTA e do art. 18º CRP já haviam existido afloramentos. A este respeito existe, ainda que apenas na teoria, uma figura que suscita algum interesse: falo do “recurso de amparo” sugerida pelo Professor Jorge Miranda aquando da revisão constitucional de 1997. Este seria um recurso extraordinário e subsidiário para protecção de direitos e liberdades fundamentais. Esta sugestão acabou por não ter acolhimento, porém a ideia que lhe subjaz encontra algum respaldo no art. 20º/5 da CRP com o seguinte conteúdo:
“Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”.
Ao referir, assim sucintamente, o “recurso de amparo”, não se ignora a quantidade de estudos existentes sobre a matéria, nem se rebaixa à própria figura em si. Pretende-se apenas uma reflexão sobre as vantagens que esta figura poderia trazer ao nosso ordenamento como forma de efetiva proteção de direitos, evitando-se o que na “elasticidade” pode causar dano jurídico.
A doutrina e a jurisprudência apontaram já várias desvantagens deste instituto. A mais importante, salvo melhor opinião, é a que se prende com uma preocupação de assoberbamento com recursos de amparo para os tribunais constitucionais que, se já não têm mãos a medir com os recursos existentes, menos ainda se esta figura fosse admitida. A posição do Professor Jorge Reis Novais que entende que para que se pudesse introduzir a figura do recurso de amparo no nosso sistema era necessária uma reformulação do sistema de fiscalização concreta, poderia permitir o vislumbre de uma solução. Porém, essa já é uma discussão que extravasa o aqui proposto.
Na falta de uma figura como o recurso de amparo (que creio seria mais eficaz na proteção dos direitos, liberdades e garantias, embora exigisse mais da parte do legislador e da administração pública), cabe dizer que o art. 109º do CPTA foi um “bem menor” no sentido que visa efetivamente a proteção, mas que exige a tal “elasticidade” por parte do juiz, o que poderá conduzir a situações de falta ou excesso de tutela, ou seja, é uma solução boa, mas não a ótima. O citado artigo visa efetivamente permitir que o particular consiga agir por forma a evitar uma lesão dos seus direitos de um modo mais célere do que seguindo a tramitação comum.
Indepentemente de a intenção do legislador ter sido a adequada, até que ponto a solução encontrada terá sido a necessária?
Alguns autores vêem na intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias uma figura excessivamente restrita, pois entendem que tratando-se de um processo urgente serão, em princípio, maiores as exigências para que se tutelem os particulares. Embora consiga compreender tal argumento, e não lhe retirando algum mérito, também considero que, embora formalmente, ela restrinja o seu âmbito de aplicação, materialmente, acaba por estendê-lo porque ao fim e ao cabo, e pondo em realce o já afirmado anteriormente, permite ao julgador uma certa apreciação “elástica” e discricionária do que são as circunstâncias que levam a essa necessidade da intimação que, se nuns casos podem ser bastante simples de entender, noutros podem constituir uma encruzilhada complicada para o juíz.
http://www.oa.pt/upl/%7Bc4515c97-51d1-4655-937f-e89e65499fb3%7D.pdf consultado em 28-11-2020
https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17893/1/Tese%20Recurso%20Amparo.pdf consultado em 28-11-2020
http://julgar.pt/sim-ou-nao-ao-recurso-de-amparo/ consultado em 28-11-2020
https://dre.pt/web/guest/lexionario/-/dj/123178203/view consultado em 29/11/2020
Aroso de Almeida, Mário - Manual de Processo Administrativo, Almedina 2010
Cristina Reis, 58548
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