Nos factos do acórdão em apreço os autores peticionaram a constituição de tribunal arbitral, intentando o processo arbitral no Centro de Arbitragem Administrativa (doravante CAAD) contra o Ministério da Justiça (doravante MJ) com vista a verem reconhecido o seu direito de receber um suplemento de risco. O CAAD absolveu o MJ justificando-se através de uma exceção dilatória de caso julgado. Por sua vez os autores não concordaram e recorreram para o Tribunal Central Administrativo Sul (doravante TCAS), este por sua vez rejeitou o recurso. Mais uma vez, discordando desta decisão, interpuseram novamente recurso que deu origem ao acórdão em apreço.
Primeiramente as partes alegam que o conhecimento da presente questão era necessária para uma melhor aplicação do direito, pois entendem que a decisão judicial não havia tido em conta o art. 6º da LAV. Aqui torna-se necessária uma reflexão sobre esta alegada necessidade de recurso para uma “melhor aplicação do direito”. As próprias partes é que, em princípio, optaram por este tipo de resolução de litígios pelo que parece fazer pouco sentido que desacreditem o método por si escolhido, porém, a meu ver, nada impede que o façam e é até desejável que assim seja caso entendam não estarem a ser salvaguardados os seus direitos.
É, a meu ver, óbvio que esta necessidade de um “selo de garantia” aplicado pelos tribunais estaduais às decisões proferidas pelo CAAD, levanta uma certa desconfiança das decisões proferidas em sede de arbitragem administrativa, que é compreensível, isto porque, existe uma necessidade de se garantir que as partes vêem os seus direitos verdadeiramente salvaguardados não se tratando de uma mera “desconfiança” mas sim de uma atuação que também é possível no âmbito dos processos dos Tribunais estaduais, até como forma de garantir uma tutela jurisdicional efetiva e o direito de acesso aos tribunais.
Por seu turno o MJ faz referência ao art. 39.º/4 da L63/2011 que exige uma expressa manifestação de ambas as partes para que possa haver recurso entendendo que não tendo havido então não poderia haver recurso. No entanto o STA acaba por aceitar o recurso de revista.
Na fundamentação de direito o STA apreciou a questão relacionada com a possibilidade de recurso para os tribunais estaduais e da alegada contradição entre os art. 39.º/4 da LAV e o 27.º do Novo Regulamento da Arbitragem Administrativa (doravante NRAA). O tribunal procurou então averiguar se existia essa contradição mas considerou que esta não era “a única leitura que se podia fazer” e concluiu dizendo que o art. 39.º/4 da LAV consagra um princípio da irrecorribilidade das decisões arbitrais mas que esta é uma norma supletiva e que as partes podem afastar. Deve aqui fazer-se uma menção à posição do Professor Vasco Moura Ramos que entende que o art. 39º/4 ao estabelecer esta regra da irrecorribilidade das decisões visa referir-se aos recursos ordinários, e que seria sempre admissível a interposição de recurso de revista e de recurso para uniformização de jurisprudência, tanto que o professor até acrescenta que é inadmissível a renúncia a esse direito, a meu ver pelas mesmas razões que apresentei anteriormente (tutela jurisdicional efetiva e o direito de acesso aos tribunais).
Tendo em conta que o art. 2.º/1 do NRAA estabelece que a submissão de litígio ao CAAD implica a aceitação de todas as normas deste regulamento então o art. 27.º do mesmo terá aplicabilidade neste caso afastando tacitamente o dito art. 39.º/4. No entanto, caso as partes não desejem este recurso podem então, de acordo com o n.º 2 do art. 27.º do NRAA renunciar ao recurso, o que não sucedeu aqui. Conclui o acórdão com a ideia de que o legislador pretendeu afastar o princípio da irrecorribilidade no âmbito da arbitragem administrativa, solução que creio ser compreensível uma vez que embora sejam as partes a escolher resolver o seu litígio através deste meio não deixam por isso de ter direito a uma justa resolução do mesmo.
Cumprirá concluir que a admissibilidade do recurso revista (objeto deste acórdão) no âmbito do direito administrativo pode ser criticado como afirma o Professor Tiago Serrão
pois pode haver uma deturpação do objetivo da arbitragem administrativa ao permitir-se o recurso de revista, isto porque este irá, nas palavras do próprio “banalizar o recurso para os tribunais estaduais” sendo que a demora que as partes procuravam evitar através da resolução do litígio pela arbitragem irão encontrar no recurso de revista. Assim, entende este professor que teria sido preferível que se procurasse evitar o recurso de revista, admitindo no entanto os outros tipos de recurso. A meu ver, este é um problema que só poderá ser solucionado com a criação de um regime específico para este tipo de arbitragem tal como já existe para a arbitragem em matéria tributária.
Parece existir uma divergência entre o Professor Mário Aroso de Almeida e o Professor Tiago Serrão quanto ao problema da celeridade, isto porque o Professor Mário Aroso de Almeida embora considere que este recurso é pouco célere não atribui a esse problema grande relevância e refere que o recurso reforça as garantias de conformidade da arbitragem de Direito Administrativo.
Concluindo, e tendo em conta o acórdão em apreço cuja data da primeira sentença arbitral do CAAD é de 07/03/2016 e a data deste acórdão de recurso revista é de 04/04/2019 tendo a concordar com o Professor Tiago Serrão na medida em que a celeridade que as partes procuravam acabou por ficar deturpada, porém também é verdade que, tal como já havia referido anteriormente, esta busca por um “selo de garantia” para aquela que havia sido a inicial decisão do CAAD foi fulcral, pois conclui-se que de facto a decisão inicial não respeitava uma tutela jurisdicional efetiva e o direito de acesso aos tribunais, demonstrando-se assim a enorme importância desta figura.
Bibliografia:
Gomes, Carla Amado; Pedro, Ricardo - A arbitragem administrativa em debate: problemas gerais e arbitragem no âmbito do código dos contratos públicos, AAFDL editora, 2018
Gomes, Carla Amado; Neves, Ana F.; Serrão, Tiago - Comentários à Legislação Processual Administrativa - Volume II, 5ª edição, AAFDL editora, 2020
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2183-184X2016000200012
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