Nos últimos anos temos vindo a presenciar, como sabemos, uma verdadeira revolução no que diz respeito ao Direito Administrativo. No preceito em apreço, Art.4º/1 al. e) do ETAF, vemos que o âmbito de jurisdição dos Tribunais Administrativos engloba a pretensões respeitantes ao incumprimento dos contratos. Podendo servir para exigir o cumprimento do contrato e para fazer valer a Responsabilidade Civil decorrente do seu incumprimento.
Mas nem sempre foi assim. Foi com a reforma de 2015 que foi criada uma nova alínea e), substituindo as anteriores alíneas b), 2ª parte, e) e f), que se referiam aos litígios em matéria de contratos. Com uma leitura do preceito conseguimos identificar dois critérios. O critério do contrato administrativo não é o único critério hoje em dia utilizado. Como veremos, a alínea e) utiliza para delimitar o âmbito da jurisdição em matéria de contratos também, uma segunda ordem de razão, a da submissão do contrato a regras de contratação pública.
Analisando cada um dos critérios utilizados para definir o âmbito de aplicação:
1. Critério do contrato administrativo: por esta ordem de ideias estão, desde logo, abrangidos pelo âmbito de jurisdição administrativa os contratos administrativos –Alíneas do nº1 do 280º Código dos Contratos Públicos, doravante CCP.
Neste preceito conseguimos ver quatro alíneas, sendo que são cinco as categorias de situações contratuais que, para o Professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA podem ser reconduzidas a três grandes grupos:
· Contratos administrativos por natureza – alíneas b), c) e d) do 280º do CCP;
· Contratos administrativos por determinação de lei – Art.280º nº1 alínea a) do CCP;
· Contratos administrativos por qualificação das partes – estes podiam ser contratos privados, mas são administrativos por escolha das partes – Art.280º nº1 alínea a) e 3º/1 b) do CCP.
A doutrina, mesmo tendo em conta o introduzido pelo CCP, considera que a figura do contrato administrativo não estaria limitada às cinco espécies resultantes do Art.280º, podendo corresponder a outros não abrangidos.
No entanto, contra esta posição encontramos o professor MÁRIO AROSO DE ALMEIDA. O professor, no seu livro relembra que têm sido apontados inconvenientes que a elevada imprecisão que tem rodeado a delimitação do âmbito da figura do contrato administrativo levantam do ponto de vista da segurança jurídica. Imprecisões que decorrem tanto no plano substantivo, como no plano processual.
Na ótica deste professor, ainda que sem prejuízo da liberdade da doutrina de, a partir dos dados normativos, construir uma definição de contrato administrativo, esta definição não pode deixar de ser por referência às cinco espécies identificadas. É apenas a elas, que deve ser colocada e resolvida a questão da qualificação de um contrato administrativo e, portanto, da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa em função do critério do contrato.
Quanto a este tema, temos de nos posicionar lado a lado com o professor Mário Aroso de Almeida. Não faz sentido, que a lei hoje em dia já transmita cinco categorias de situações contratuais e que estas sejam desconsideradas. Mesmo com a decisão do legislador de não apresentar uma definição para contrato administrativo, parece-nos que a criação deste artigo serve como base mais do que suficiente para, pelo menos, saber o plano em que opera, estando abrangidas todas estas situações e apenas estas. Sendo a segurança jurídica um dos princípios mais importantes do nosso ordenamento, a mera possibilidade de o pôr em causa, quando nos é dado um plano categórico do que serão os contratos administrativos parece causar o caos desnecessário, trazendo muitas dificuldades àquilo que seria a identificação de casos de contratos administrativos além destes.
2. Critério do contrato submetido a regras de contratação pública: este é o segundo critério emergente do Art.4º/1 al. e) do ETAF. Este é o critério que atribui à jurisdição administrativa a competência para dirimir os litígios emergentes dos contratos que a lei submeta a regras de contratação pública.
Aqui, estamos claramente perante litígios que digam respeito a quaisquer contratos, que não apenas administrativos e, tanto celebrados por pessoas coletivas de Direito Público, como por entidades privadas, quando sujeitas a regras de Direto Público em matéria de procedimentos pré-contratuais (ou seja, quando entidades adjudicantes). Não há dúvidas que o 280º/1 al. d) abrange esta espécie de contratos representada. Mas, a alínea e) do Art.4º/1 do ETAF é mais ampla, compreendendo também no seu âmbito todos os contratos que a lei submeta a regras de contratação pública.
O critério em causa já não é o do contrato administrativo, mas o do contrato que seja submetido a regras de contratação pública, ou seja, desde que um contrato esteja submetido a regras procedimentais de formação de Direito Administrativo, todas as questões que dele possam emergir, devem ser objeto de uma ação a propor perante os Tribunais Administrativos, e não perante os Tribunais Judiciais – independentemente da sua qualificação ou não como contrato administrativo nos termos do CCP.
Nos dias que correm, esta é uma solução fortemente limitada – desde que o CCP optou por qualificar todos os contratos de aquisição e locação de bens móveis e de aquisição de serviços por contraentes públicos como contratos administrativos. Estes, até esta qualificação eram os tipos de contratos, que por não serem administrativos, mas por estarem sujeitos às regras de contratação pública, eram o objeto prioritário da aplicação do Art.4º/1 al. e) do ETAF. Ainda assim, esta é uma solução normativa relevante, quanto mais não seja para evitar que se repercutam no plano da delimitação do âmbito da jurisdição administrativa as dificuldades de interpretação colocadas pela previsão do 280º/1 al. d) do CCP.
O exposto anteriormente mostra a evolução desta norma e releva alguns dos seus elementos mais problemáticos. Conseguimos perceber, através do demonstrado que o preceito em análise é uma regra muito ampla, conseguindo abranger os contratos desde um momento pré contratual, até à sua execução, bem como diversos tipos e formas de contratos. Cabe assim, ao intérprete uma leitura e interpretação conforme o disposto e, tendo em conta, as restantes normas existentes no quadro jurídico que possam estar com este relacionadas.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 4ª edição, 2020;
ANDRADE, José Carlos Vieira de, “A justiça Administrativa (lições)”, Almedina, 10ª edição, 2009;
GOMES, Carla Amado; NEVES, Ana F.; SERRÃO, Tiago (coord.), “Comentários à legislação processual Administrativa”, Vol. I, AAFDL, 5ª edição, 2020
Madalena Simões Vaz
TA Sub7, Nº59169
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