De acordo com a Lei nº13/2004, de 19 de Fevereiro e Lei nº 15/2002, de 22 de Fevereiro, a aprovarem o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e novo Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), respetivamente, o ordenamento jurídico português demonstra-se pelo modelo constitucional de Justiça Administrativa – para o Professor Vasco Pereira da Silva: “estamos perante o período de jurisdicionalização e de subjetivação do Contencioso Administrativo”, na qual, José Carlos Vieira de Andrade define como: “Conjunto institucional ordenado normativamente à resolução de questões de direito administrativo, nascidas de relações jurídico-administrativas externas, atribuídas à ordem judicial administrativa e a julgar segundo um processo administrativo específico.”.
Nos termos do artigo 13º, nº 1 do CPTA, temos a razão
existencial da competência dos tribunais administrativos, entretanto,
questiona-se relativamente a função da jurisdição e, com o intuito de cessar a
mesma, o artigo 64º do Código de Processo Civil (CPC), afirma-nos por uma
vertente negativa, ou seja, que todas as matérias judiciais são aquelas que não
encontra-se atribuída a outra ordem jurisdicional. Mas, este tratamento pela
negativa, qualifica-se como desigual e faz-se necessário o critério de quais os
litígios estão submetidos à legislação administrativa.
“Compete aos tribunais administrativos e fiscais o
julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os
litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, no artigo 212º/3 da
Constituição da República Portuguesa (CRP) fundamenta que as questões
administrativas ou fiscais compete aos tribunais administrativos ou fiscais.
Este citado artigo não serve como critério restritivo materialmente a qualquer
outro tipo de normas, isto é, sobre os litígios que não são resultado de função
administrativa, somente os tribunais administrativos podem conhecer o mérito
das situações de direito administrativo?
No entendimento dos Professores Gomes Canotilho e
Vital Moreira, temos a reserva absoluta de jurisdição administrativa. Em divergência
doutrinária a este pensamento, o Professor Vieira de Andrade, e pela vertente
jurisprudencial, o Tribunal Constitucional[1], consideram que não há uma
reserva material absoluta, mas os tribunais administrativos são os tribunais
comuns do direito administrativo.
A responder a questão, cita-se o acórdão do Supremo
Tribunal da Justiça, de 01-03-2018, com unanimidade, decide: “a
jurisprudência do Tribunal Constitucional tem também entendido que a finalidade
principal que presidiu à inserção da norma constante do n.º 3 deste art. 212º
foi a abolição do caráter facultativo da jurisdição administrativa, rejeitando
uma interpretação deste artigo conducente à consagração de uma reserva absoluta
de competência dos tribunais administrativos para a apreciação de matérias de
natureza administrativa”[2]. Segundo o Professor
Sérvulo Correia, a tendência mais seguida tem sido de ver no preceito uma regra
definidora de um modelo típico, suscetível de adaptações ou desvios em casos
especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo caracterizador do modelo.
Assim, conclui-se pelo exposto anteriormente com o
artigo 212º, nº 3 da CRP e artigo 1º do ETAF, a regra geral para a determinar e
limitar a competência jurisdicional dos Tribunais Administrativos em relação a
outros Tribunais. Retém, neste sentido, que presente no artigo 4º do ETAF, alicerça-se
a delimitação do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, sendo que esta
poderá ser derrogada por legislação especial. Este artigo segue um modelo de
enunciação de matérias cuja apreciação pode ser excluída ou incluída. Nos
termos do previsto nos números 2 e 3 do artigo 4º do ETAF temos, pontualmente,
as exceções atribuídas a competência a outra jurisdição.
Neste sentido, e sem divergência doutrinária, o
conceito de relação jurídica administrativa obtém diversos sentidos e, no
entendimento do Professor Vieira de Andrade, temos: “pelo menos um
dos sujeitos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício
de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público
legalmente definido”.[3]
[1]
Cf. Tribunal Constitucional n.º 508/94, in DR de 94.12.13, n.º 372/94, in DR II
Série, n.º 204, de 3 de Setembro de 1994, n.º 347/97, in DR II Série, n.º 170,
de 25 de Julho de 1997 e n.º 284/2003, de 29 de Maio de 2003.
[2]
A título exemplificativo, cf.
os Acórdãos n.º 372/94 publicado no DR II Série, n.º 204, de 3 de setembro de
1994; nº 347/97, publicado no DR II Série, n.º 170, de 25 de julho de 1997; n.º
458/99, de 13 de julho, publicado no DR, II Série, n.º 55, de 6 de março de
2000; nº 550/2000, de 13 de dezembro, publicado no DR, II Série, 1 de fevereiro
de 2001 e nº 284/2003, publicado no DR, II Série, de 29 de maio de 2003.
[3]
VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 5.ª Edição,
Almedina, 2004, p. 59
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